sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O caminho que não ia a nenhuma parte

Esta foi feita em Kiriê, uma técnica japonesa em que o desenho é cortado com estilete em uma única folha de papel.  
Abaixo está um trecho do conto O caminho que não ia a nenhuma parte, de Gianni Rodari, que não deixa a gente desistir de nossos sonhos.

À saída do povoado haviam 3 caminhos: um ia em direção ao mar, o segundo até a cidade e o terceiro não ia a nenhuma parte.

Martim sabia disso porque havia perguntado a quase todos, e todos lhe haviam dado a mesma resposta:

- Aquele caminho?  Não vai a nenhuma parte.  É inútil ir por aí. (...)

Quando ficou grande o bastante para atravessar a rua sem precisar segurar a mão de seu avô, uma manhã se levantou bem cedo, saiu do povoado e sem titubear foi pelo misterioso caminho, sempre em frente.  (...)

Anda que anda, a galeria não acabava nunca, o caminho não terminava nunca.  (...)

- Então, você não acreditou?
- Em quê?
- Na história do caminho que não ia a nenhuma parte.
- Era muito estúpida.  E pela minha teoria, há mais partes que caminhos.
- Exato, é só ter vontade de andar.  Agora venha, vou lhe mostrar o castelo. (...)

Martim deu muitos presentes a todos, amigos e inimigos, e teve que explicar cem vezes a sua aventura, e cada vez que terminava de fazê-lo, alguém corria para casa para pegar uma carroça e um cavalo e tomava o caminho que não ia a nenhuma parte.

Mas naquela mesma noite todos regressaram, um após o outro, com a cara feia de raiva.  Para eles, o caminho terminava no meio do bosque, num espesso muro de árvores e num mar de espinhos.  Já não havia mais portão de ferro, nem castelo, nem linda dama.  Porque alguns tesouros só existem para os primeiros que empreendem um novo caminho, e o primeiro havia sido Martim Cabeça-dura.

El camino que no iba a ninguna parte
Gianni Rodari - Cuentos por teléfono - Editorial Juventud - Barcelona

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Feliz ano novo, Batchan


E foi assim que minha batchan materna veio me falar “oi” pela primeira vez em sua nova forma.  Ela usava um vestido de verão feito pela minha mãe e tinha o rosto feliz-feliz como não se via há muito tempo.  

E assim, sorrindo, ela me disse sem palavras que estava muito bem.  Era alta noite do dia 30 de dezembro e tinha acabado de sair do hospital, assim pôde vir me ver na Espanha.  Disse que iria comemorar a virada do ano com meu ditchan e que podia enxergar de novo, como estava feliz...

Bem mais tarde, quando já era 2010, liguei para minha mãe:

- Eu queria estar ao seu lado - eu disse.
- Está tudo bem. - disse ela, como filha que jamais deixa de ser mãe. 
- Não sei se há condições de eu te desejar isso mas... feliz ano novo...
- Claro que há condições.  Foi um bom enterro, está tudo bem.
- Como pode um enterro ser bom?
- Não teve choradeira porque todos já estavam rezando para que ela pudesse descansar, ela sofreu por muito tempo...

Mesmo assim não passa a vontade de chorar quando penso que eu não pude estar lá e que agora eu só vou vê-la em sonhos.  Suas imagens passam na minha cabeça repetidamente, como num movimento para que eu jamais me esqueça.  Essa gravação de   nossos momentos em vida mundana dói.

Só passa quando penso que ela deve estar comendo kabotchá com minha outra batchan, agradecendo pelos recados que ela me dava em sonhos.  Devem estar ocupadíssimas, porque desde que consegui visitar uma no hospital em meio a uma fugaz escapada intercontinental por motivos natalinos que a outra não se deu ao trabalho de aparecer novamente.

Ou então ela voltou a escrever haikais, agora que ela enxerga novamente. Ela havia me contado que levava minha mãe-bebezinha junto com ela à casa vizinha para escrever com os amigos agricultores de Mirandópolis.  Será que um dia ela me mostra seus novos versos?  Hum, está mais que na hora de voltar a estudar japonês.